terça-feira, 12 de julho de 2011

ESCOLHA DAS PROVAS


258 Na espiritualidade, antes de começar uma nova existência
corporal, o Espírito tem consciência e previsão das coisas que acontecerão
durante sua vida?
– Ele mesmo escolhe o gênero de provas que quer passar. Nisso
consiste seu livre-arbítrio.
258 a Então não é Deus que impõe os sofrimentos da vida como
castigo?
– Nada acontece sem a permissão de Deus, que estabeleceu todas
as leis que regem o universo. Perguntareis, então, por que Ele fez esta lei
em vez daquela. Ao dar ao Espírito a liberdade de escolha, deixa-lhe toda
a responsabilidade de seus atos e de suas conseqüências, nada impede
seu futuro; o caminho do bem está à frente dele, assim como o do mal.
Mas, se fracassa, resta-lhe uma consolação: nem tudo está acabado para
ele. Deus, em sua bondade, deixa-o livre para recomeçar, reparando o
que fez de mal. É preciso, aliás, distinguir o que é obra da vontade de
Deus e o que é obra do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes
vós que o criastes, foi Deus; mas tendes a liberdade de vos expor a ele,
por terdes visto aí um meio de adiantamento, e Deus o permitiu.
259 Se o Espírito tem a escolha do gênero de prova que deve
passar, todas as dificuldades que experimentamos na vida foram previstas
e escolhidas por nós?
– Todas não é a palavra, porque não se pode dizer que escolhestes e
previstes tudo que vos acontece neste mundo, até nas menores coisas.
Vós escolhestes os gêneros das provas; os detalhes são conseqüência
da situação em que viveis e, freqüentemente, de vossas próprias ações.
Se o Espírito quis nascer entre criminosos, por exemplo, sabia dos riscos
a que se exporia, mas não tinha conhecimento dos atos que viria a praticar;
esses atos são efeito de sua vontade ou de seu livre-arbítrio. O Espírito
sabe que, ao escolher um caminho, terá uma luta a suportar; sabe a natureza
e a diversidade das coisas que enfrentará, mas não sabe quais os
acontecimentos que o aguardam. Os detalhes dos acontecimentos nascem
das circunstâncias e da força das coisas. Somente os grandes
acontecimentos que influem na vida estão previstos. Se seguis um caminho
cheio de sulcos profundos, sabeis que deveis tomar grandes
precauções, porque tendes a probabilidade de cair, mas não sabeis em
qual deles caireis; pode ser que a queda não aconteça, se fordes prudente
o bastante. Se, ao passar na rua, uma telha cai na vossa cabeça, não
acrediteis que estava escrito, como se diz vulgarmente.
260 Como o Espírito pode querer nascer entre pessoas de má
conduta?
– É preciso que seja enviado para um meio em que possa se defrontar
com a prova que pediu. Pois bem! É preciso que haja identidade de relações
e semelhanças, que os semelhantes se atraiam: para lutar contra o
instinto do roubo, é preciso que se encontre entre pessoas que roubam.
260 a Se não houvesse pessoas de má conduta na Terra, o Espírito
não encontraria nela o meio necessário para passar por determinadas
provas?
– E seria o caso de lastimar se isso acontecesse? É o que ocorre nos
mundos superiores, onde o mal não tem acesso porque há somente Espíritos
bons. Fazei que o mesmo aconteça na vossa Terra.
261 O Espírito, nas provas que deve passar para atingir a perfeição,
deve experimentar todas as tentações? Deve passar por todas
as circunstâncias que podem incitar o orgulho, a inveja, a avareza, a
sensualidade, etc.?
– Certamente que não, uma vez que sabeis que há Espíritos que,
desde o começo, tomam um caminho que os livra de muitas provas; mas,
aquele que se deixa levar pelo mau caminho corre todos os perigos desse
caminho. Um Espírito, por exemplo, pode pedir a riqueza e esta ser concedida;
então, de acordo com seu caráter, poderá tornar-se avarento ou
pródigo, egoísta ou generoso, ou se entregar a todos os prazeres da sensualidade;
mas isso não quer dizer que tenha que passar forçosamente
por todas essas tendências.
262 Como pode o Espírito em sua origem, simples, ignorante e
sem experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa
e ser responsável por essa escolha?
– Deus supre sua inexperiência ao traçar-lhe o caminho que deve seguir,
como o fazeis com uma criança desde o berço. Deixa-o, porém, livre para
escolher, à medida que seu livre-arbítrio se desenvolve. É então que muitas
vezes se extravia ao seguir o mau caminho, se não escuta os conselhos dos
bons Espíritos; é o que se pode chamara queda do homem.
262 a Quando o Espírito usa seu livre-arbítrio, a escolha da existência
corporal depende sempre de sua vontade, ou essa existência
pode ser imposta pela vontade de Deus como expiação?
– Deus sabe esperar: não apressa a expiação. No entanto, perante a
Lei, um Espírito pode ter uma encarnação compulsória quando, por sua
inferioridade, ou má vontade, não está apto a compreender o que lhe poderia
ser mais útil e quando essa encarnação pode servir à sua purificação
e adiantamento, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.
263 O Espírito faz sua escolha imediatamente após a morte?
– Não, muitos acreditam na eternidade das penas e, como já foi dito,
pensar assim representa para eles um castigo. (Veja a questão 101).
264 Como o Espírito escolhe as provas que quer suportar?
– Ele escolhe as que podem ser para ele uma expiação, pela natureza
de seus erros, e lhe permitam avançar mais rapidamente. Uns podem, ao
escolher, se impor uma vida de misérias e privações para tentar suportá-la
com coragem; outros querem se experimentar nas tentações da riqueza e
do poder, muito perigosas, pelo abuso e o mau uso que delas se possa
fazer e pelas paixões inferiores que desenvolvem; outros, enfim, preferem
se experimentar nas lutas que têm que sustentar em contato com o vício.
265 Se alguns Espíritos escolhem o contato com o vício como
prova, há aqueles que o escolhem por simpatia e desejo de viver num
meio conforme seu gosto, ou para se entregar completamente às tendência
materiais?
– Há, sem dúvida. Mas só fazem essa escolha os que têm o senso
moral ainda pouco desenvolvido; a provação está em viver a escolha que
fizeram e a sofrem por longo tempo. Cedo ou tarde, compreenderão que a
satisfação das paixões brutais traz conseqüências deploráveis, e o sofrimento
lhes parecerá eterno. Poderão permanecer nesse estado até que
se tornem conscientes da falta em que incorreram, e então eles mesmos
pedem a Deus para resgatá-las em provas libertadoras.
266 Não parece natural escolher as provas menos dolorosas?
– Para vós, sim; para o Espírito, não. Quando se está liberto da matéria,
a ilusão cessa e a forma de pensar é outra.
* O homem na Terra, sob a influência das idéias terrenas, vê nas suas
provas apenas o lado doloroso. Por isso lhe pareceria natural escolher
as que, em seu ponto de vista, pudessem se conciliar com os prazeres
materiais. Porém, na vida espiritual, compara esses prazeres ilusórios e
grosseiros com a felicidade inalterável que percebe, e, então, nenhuma
importância dá aos sofrimentos passageiros da Terra. O Espírito pode,
em vista disso, escolher a prova mais rude e, conseqüentemente, a mais
angustiosa existência, na esperança de atingir mais depressa um estado
melhor, como o doente escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável
para se curar mais depressa. Aquele que deseja ver seu nome
ligado à descoberta de um país desconhecido não escolhe um caminho
florido; sabe dos perigos que corre, mas também sabe da glória que o
espera se for bem-sucedido.
A doutrina da liberdade na escolha de nossas existências e das
provas que devemos suportar deixa de causar espanto ou surpresa, se
considerarmos que os Espíritos livres da matéria apreciam as coisas de
maneira diferente da nossa. Percebem que há um objetivo, bem mais
sério do que os prazeres ilusórios do mundo e, após cada existência,
vêem o passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta de
pureza para atingi-lo. Eis por que se submetem voluntariamente a todas
as alternâncias e às dificuldades da vida corporal, pedindo, eles mesmos,
aquelas que lhes permitam alcançar mais prontamente o objetivo
a que almejam. Não há, portanto, motivo de estranheza no fato de o
Espírito não escolher uma existência mais suave. No estado de imperfeição
em que se acha, o Espírito não pode querer uma existência feliz,
sem amargura; ele a pressente e antevê, e é para atingi-la que procura
melhorar-se.
Não temos, aliás, todos os dias, perante os olhos, exemplos de
experiências parecidas? O que faz o homem que trabalha uma parte de
sua vida, sem trégua nem descanso, para reunir posses que lhe garantam
o bem-estar, senão uma tarefa que se impôs tendo em vista um
futuro melhor? O militar que se arrisca numa missão perigosa, o viajante
que enfrenta os maiores perigos no interesse da ciência ou de sua fortuna;
o que isso representa, senão provas voluntárias que lhes devem
proporcionar honra e proveito, se forem bem-sucedidos? A que não se
submete e não se expõe o homem por seu interesse ou glória? Os concursos
não são também provas voluntárias às quais se submete, para
se elevar na carreira que escolheu? Não se chega a uma posição importante,
qualquer que seja, nas ciências, nas artes, na indústria, senão
passando por posições inferiores que são também provas. A vida humana
é uma cópia da vida espiritual, na qual encontramos, em escala
pequena, todas as mesmas peripécias. Se, na vida terrestre, escolhemos
freqüentemente as provas mais rudes, visando a um objetivo mais
elevado, por que o Espírito, que vê mais longe e para quem a vida terrestre
é apenas um incidente passageiro, não escolheria uma existência
laboriosa e de renúncia, sabendo que ela deve conduzi-lo a uma felicidade
eterna? Aqueles que dizem que, se o homem tem o direito de escolha
de sua existência, pediriam para ser príncipes ou milionários são como
míopes, que vêem apenas o que tocam, ou como crianças gulosas, às
quais, quando se pergunta que profissão pretendem, respondem: pasteleiros
ou confeiteiros.
Como um viajante que, no fundo do vale embaçado pelo nevoeiro,
não vê a distância, nem os pontos extremos de seu caminho; mas, uma
vez chegado ao cume da montanha, divisa o caminho que percorreu e o
que lhe resta percorrer; vê seu objetivo, os obstáculos que ainda tem a
transpor e pode, então, planejar com mais segurança os meios para
atingi-lo. O Espírito encarnado é semelhante ao viajante no fundo do
vale. Liberto dos laços terrestres, sua visão tem o completo domínio da
sua destinação, como aquele que está no cume da montanha. Para o
viajante, o objetivo é o repouso após o cansaço; para o Espírito, é a
felicidade suprema após as dificuldades e as provas.
Todos os Espíritos dizem que, na espiritualidade, pesquisam, estudam
e observam para fazer sua escolha. Não temos um exemplo desse
fato na vida corporal? Não procuramos freqüentemente, durante anos,
a carreira em que fixamos livremente nossa escolha, por acreditarmos
ser a mais apropriada para fazermos nosso caminho? Se fracassamos
numa, escolhemos outra. Cada carreira que abraçamos é uma fase, um
período da vida. Cada dia não é empregado para planejar o que faremos
no dia seguinte? Portanto, o que são as diferentes existências corporais
para o Espírito senão etapas, períodos, dias de sua vida espírita,
que é, como sabemos, sua vida normal, uma vez que a corpórea é apenas
transitória e passageira?
267 O Espírito pode escolher suas provas, quando já encarnado?
– Seu desejo pode ter influência, dependendo da intenção com que
as deseja; mas, como Espírito, vê freqüentemente as coisas muito diferentes.
É apenas o Espírito que faz a escolha; mas, afirmamos mais uma vez,
é possível. Ele pode fazê-la na vida material, porque para o Espírito há
sempre momentos em que fica independente da matéria que habita.
267 a Muitas pessoas desejam poder e riqueza; não é, certamente,
como expiação ou como prova?
– Sem dúvida, é o instinto material que as deseja para delas desfrutar;
já o Espírito as deseja para conhecer todas as alternativas que elas
oferecem.
268 Até que atinja o estado de pureza perfeita, o Espírito tem que
passar constantemente por provas?
– Sim, mas não são como as entendeis, visto que chamais de provas às
adversidades materiais. Porém, o Espírito que atingiu um certo grau, sem ser
ainda perfeito, nada mais tem a suportar; embora sempre tenha deveres que
o ajudam a se aperfeiçoar, e que nada têm para ele de constrangedor ou
angustiante, ainda que seja para ajudar os outros a se aperfeiçoar.
269 O Espírito pode se enganar sobre a eficácia da prova que
escolheu?
– Ele pode escolher uma que esteja acima de suas forças e, então,
fracassar. Pode também escolher alguma que não lhe dê nenhum proveito,
que resulte numa vida ociosa e inútil; mas, então, uma vez de volta ao
mundo dos Espíritos, percebe que nada ganhou e pede para reparar o
tempo perdido, numa outra encarnação.
270 A que se devem as vocações de certas pessoas e seu desejo
de seguir uma carreira em vez de outra?
– Parece-me que vós mesmos podeis responder a essa questão.
Não é a conseqüência de tudo o que dissemos sobre a escolha das provas
e o progresso realizado nas existências anteriores?
271 Ainda na espiritualidade, o Espírito, ao estudar as diversas
condições em que poderá progredir, como pensa poder fazê-lo ao
nascer, por exemplo, entre os povos canibais?
– Espíritos já avançados não nascem entre canibais. Entre eles nascem
Espíritos com a natureza dos canibais, ou que lhe são até inferiores.
* Sabemos que os antropófagos (3) não estão no último grau da escala
evolutiva e que há mundos onde o embrutecimento e a ferocidade ultrapassam
em tudo o que conhecemos na Terra. Esses Espíritos que lá
habitam são ainda inferiores aos mais inferiores de nosso mundo, e nascer
entre os nossos selvagens é para eles um progresso, como seria um
progresso para os antropófagos do nosso globo exercer entre nós uma
profissão que os obrigasse a derramar sangue (4). Se não alcançam o
mais alto é porque sua inferioridade moral não lhes permite compreender
um progresso mais completo. O Espírito não pode avançar senão
gradualmente; não pode transpor de um salto a distância que separa a
barbárie da civilização, e é aí que vemos uma das necessidades da reencarnação,
que está verdadeiramente de acordo com a justiça de Deus.
De outro modo, em que se tornariam esses milhões de seres que morrem
a cada dia no último estado de degradação, se não possuíssem os
meios de atingir a superioridade? Por que Deus os deserdaria dos favores
concedidos aos outros homens?
272 Espíritos vindos de um mundo inferior à Terra ou de um povo
muito atrasado, como os canibais, por exemplo, poderiam nascer entre os
povos civilizados?
– Sim, há os que se desencaminham ao querer subir muito alto. Ficam
desajustados entre vós, porque possuem costumes e instintos que
não se afinam com os vossos.
* Esses seres nos dão o triste espetáculo da ferocidade em meio à
civilização. Ao retornar renascendo entre os canibais, não sofrem uma
queda, uma degradação, apenas voltam aos seus lugares e com isso
talvez até ganhem.
273 Um homem que pertence a uma raça civilizada poderia, por
expiação, reencarnar em uma raça selvagem?
– Sim, mas isso depende do gênero da expiação. Um senhor que
tenha sido cruel com seus escravos poderá tornar-se escravo por sua vez
e sofrer os maus-tratos que fez os outros suportar. Aquele que um dia
comandou poderá, em uma nova existência, obedecer até mesmo àqueles
que se curvaram à sua vontade. É uma expiação que lhe pode ser
imposta, se abusou de seu poder. Um bom Espírito também pode escolher
uma existência em que exerça uma ação influente e encarnar dentre
povos atrasados, para fazer com que progridam, o que, neste caso, é
para ele uma missão.
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3 - Antropófago: aquele que come carne humana (N. E.).
4 - Que os obrigasse a derramar sangue (qui les obligerant à verser le sang): Pode causar
estranheza, à primeira vista, a afirmativa de Allan Kardec, a ponto de se pensar que o razoável
seria pela negativa, isto é, que os obrigasse a não derramar sangue, o que faria supor que assim
haveria um grande progresso do Espírito, de matador e carnívoro reencarnaria longe dessas
características num grande salto evolutivo. A Doutrina Espírita não ensina isso; a afirmativa de
Allan Kardec está de acordo com os ensinamentos básicos dos Espíritos do Senhor.
Muitos antropófagos, se tiverem mérito para tanto, podem reencarnar em meio à sociedade
desempenhando funções compatíveis com o progresso coletivo. Respeita-se dessa forma a sua
essência de Espíritos em ascensão, sem que para isso seja necessário que andem de tacape ou
faca em punho “fazendo esguichar sangue” como pode dar a entender a frase ao pé da letra. Está
aí o progresso do Espírito. Reencarna em meio à civilização numa profissão útil que representa
para ele um grande degrau de progresso: da barbárie antropófaga para a civilização (N. E.).

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