domingo, 31 de julho de 2011

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

O SONO E OS SONHOS


400 O Espírito encarnado permanece espontaneamente no corpo?
– É como perguntar se o prisioneiro se alegra com a prisão. O Espírito
encarnado aspira sem cessar à libertação, e quanto mais o corpo for grosseiro,
mais deseja desembaraçar-se dele.
401 Durante o sono, a alma repousa como o corpo?
– Não, o Espírito nunca fica inativo. Durante o sono, os laços que o
prendem ao corpo se relaxam e, como o corpo não precisa do Espírito, ele
percorre o espaço e entra em relação mais direta com outros Espíritos.
402 Como avaliar a liberdade do Espírito durante o sono?
– Pelos sonhos. Quando o corpo repousa, o Espírito tem mais condições
de exercer seus dons, faculdades do que em vigília; tem a lembrança
do passado e algumas vezes a previsão do futuro; adquire mais poder e
pode entrar em comunicação com outros Espíritos, neste mundo ou em
outro. Quando dizeis: tive um sonho esquisito, horrível, mas que não tem
nada de real, enganais-vos; é, muitas vezes, a lembrança dos lugares e
das coisas que vistes ou que vereis numa outra existência, ou num outro
momento. O corpo, estando entorpecido, faz com que o Espírito se empenhe
em superar suas amarras e investigar o passado ou o futuro.
Pobres homens, que pouco conheceis dos mais simples fenômenos
da vida! Julgai-vos sábios e, entretanto, vos embaraçais com as coisas
mais simples; ficais perturbados com a pergunta de todas as crianças: o
que fazemos quando dormimos? Que são os sonhos?
O sono liberta, em parte, a alma do corpo. Quando dormimos, estamos
momentaneamente no estado em que o homem se encontra após a
morte. Os Espíritos que logo se desligam da matéria, quando desencarnam,
têm um sono consciente. Durante o sono, reúnem-se à sociedade
de outros seres superiores e com eles viajam, conversam e se instruem;
trabalham até mesmo em obras que depois encontram prontas, quando,
pelo desencarne, retornam ao mundo espiritual. Isso deve vos ensinar uma
vez mais a não temer a morte, uma vez que morreis todos os dias, segun-
do a palavra de um santo. Isso para os Espíritos elevados; mas para o
grande número de homens que, ao desencarnar, devem permanecer longas
horas nessa perturbação, nessa incerteza da qual já vos falaram, esses
vão, enquanto dormem, a mundos inferiores à Terra, onde antigas
afeições os evocam, ou vão procurar prazeres talvez ainda mais baixos
que os que têm aí; vão se envolver com doutrinas ainda mais desprezíveis,
ordinárias e nocivas que as que professam em vosso meio. O que gera a
simpatia na Terra não é outra coisa senão o fato de os homens, ao despertar,
se sentirem ligados pelo coração àqueles com quem acabaram de
passar de oito a nove horas de prazer. Isso também explica as antipatias
invencíveis que sentimos intimamente, porque sabemos que essas pessoas
com quem antipatizamos têm uma consciência diferente da nossa e
as conhecemos sem nunca tê-las visto com os olhos. Explica ainda a
nossa indiferença, pois não desejamos fazer novos amigos quando sabemos
que há outras pessoas que nos amam e nos querem bem. Em uma
palavra, o sono influi mais na vossa vida do que pensais. Durante o sono,
os Espíritos encarnados estão sempre se relacionando com o mundo dos
Espíritos e é isso que faz com os Espíritos Superiores consintam, sem
muita repulsa, em encarnar entre vós. Deus quis que em contato com o
vício eles pudessem se renovar na fonte do bem, para não mais falharem,
eles, que vêm instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu para
entrarem em contato com seus amigos do céu; é o recreio após o trabalho,
enquanto esperam a grande libertação, a libertação final que deve
devolvê-los a seu verdadeiro meio.
O sonho é a lembrança do que o Espírito viu durante o sono; mas
notai que nem sempre sonhais, porque nem sempre vos lembrais do que
vistes, ou de tudo o que vistes. É que vossa alma não está em pleno
desdobramento. Muitas vezes, apenas fica a lembrança da perturbação
que acompanha vossa partida ou vossa volta, à qual se acrescenta a do
que fizestes ou do que vos preocupa no estado de vigília; sem isso, como
explicaríeis esses sonhos absurdos que têm tanto os mais sábios quanto
os mais simples? Os maus Espíritos se servem também dos sonhos para
atormentar as almas fracas e medrosas.
Além disso, vereis dentro em pouco se desenvolver uma outra espécie
de sonhos (1); ela é tão antiga quanto a que já conheceis, mas a ignorais. O
sonho de Joana D’arc (2), o sonho de Jacó (3), o sonho dos profetas judeus e de
alguns adivinhos indianos; esse sonho é a lembrança da alma quase inteiramente
desligada do corpo, a lembrança dessa segunda vida de que falamos.
Procurai distinguir bem essas duas espécies de sonho dentre os que
vos lembrais; sem isso, caireis em contradições e erros que serão funestos
à vossa fé.
* Os sonhos são o produto da emancipação da alma, que se torna
mais independente pela suspensão da vida ativa e de convivência. Daí
uma espécie de clarividência indefinida, que se estende aos lugares mais
afastados ou jamais vistos e algumas vezes até a outros mundos; daí
ainda a lembrança que traz à memória acontecimentos realizados na
existência atual ou em existências anteriores; a estranheza das imagens
do que se passa ou do que se passou em mundos desconhecidos,
misturadas com coisas do mundo atual, formam esses conjuntos estranhos
e confusos que parecem não ter sentido nem ligação entre si.
A incoerência dos sonhos se explica ainda por lacunas que a lembrança
incompleta do que nos apareceu em sonho produz. Isso seria
como numa narração a qual se tenham truncado frases ao acaso, ou
parte de frases; os fragmentos restantes reunidos perderiam toda a
significação.
403 Por que nem sempre nos lembramos dos sonhos?
– O que chamais de sono é apenas o repouso do corpo, mas o Espírito
está sempre ativo e durante o sono recobra um pouco de sua liberdade
e se corresponde com os que lhe são caros, neste mundo ou em outros.
Sendo o corpo uma matéria pesada e grosseira, dificilmente conserva as
impressões que o Espírito recebeu, visto que o Espírito não as percebeu
pelos órgãos do corpo.
404 O que pensar da significação atribuída aos sonhos?
– Os sonhos não têm o significado que certos adivinhos lhes atribuem.
É um absurdo acreditar que sonhar com isso significa aquilo. São verdadeiros
no sentido de que apresentam imagens reais ao Espírito, mas muitas
vezes não têm relação com o que se passa na vida corporal; são também,
como dissemos, uma lembrança. Algumas vezes, podem ser um pressentimento
do futuro, se Deus o permite, ou a visão do que se passa
nesse momento em um outro lugar para onde a alma se transporta. Não
tendes numerosos exemplos de pessoas que aparecem em sonho e vêm
advertir seus parentes ou amigos do que lhes está acontecendo? O que
são essas aparições, senão a alma ou o Espírito dessas pessoas que vêm
se comunicar com o vosso? Quando estais certos de que o que vistes realmente
aconteceu, não é uma prova de que a imaginação não tomou parte
em nada, principalmente se as ocorrências do sonho não estavam de
modo algum em vosso pensamento enquanto acordados?
405 Vêem-se freqüentemente em sonho coisas que parecem pressentimentos
e que não se realizam; de onde vem isso?
–Elas podem se realizar apenas para o Espírito, ou seja, o Espírito vê
a coisa que deseja porque vai procurá-la. Não deveis esquecer que, durante
o sono, a alma está constantemente sob influência da matéria, às
vezes mais, às vezes menos, e, conseqüentemente, nunca se liberta completamente
das idéias terrenas. Disso resulta que as preocupações enquanto
acordados podem dar àquilo que se vê a aparência do que se
deseja ou do que se teme. A isso verdadeiramente é o que se pode chamar
de efeito da imaginação. Quando se está fortemente preocupado com
uma idéia, liga-se a essa idéia tudo o que se vê.
406 Quando vemos em sonho pessoas vivas, que conhecemos
perfeitamente, praticarem atos de que absolutamente não cogitam,
não é efeito de pura imaginação?
– Em relação a praticar atos de que não cogitam, como dizeis, o que
sabeis disso? O Espírito dessa pessoa pode visitar o vosso, como o vosso
pode visitar o dela e nem sempre sabeis no que ele pensa. E então, freqüentemente,
atribuís às pessoas que conheceis, e de acordo com vossos
desejos, o que se passou ou se passa em outras existências.
407 O sono completo é necessário para a emancipação do Espírito?
– Não; o Espírito recobra sua liberdade quando os sentidos se entorpecem.
Ele se aproveita, para se emancipar, de todos os momentos de
repouso que o corpo lhe concede. Desde que haja debilidade das forças
vitais, o Espírito se desprende, e quanto mais fraco estiver o corpo, mais
livre ele estará.
* É assim que a sonolência, ou um simples entorpecimento dos sentidos,
apresenta muitas vezes as mesmas imagens do sono.
408 Parece-nos ouvir, algumas vezes em nós, palavras pronunciadas
distintamente e que não têm nenhuma relação com o que nos
preocupa; de onde vem isso?
– Sim, pode acontecer até mesmo ouvirdes frases inteiras, principalmente
quando os sentidos começam a se entorpecer. É algumas vezes
um eco fraco de um Espírito que deseja se comunicar.
409 Muitas vezes, num estado que ainda não é a sonolência,
quando temos os olhos fechados, vemos imagens distintas, figuras
das quais observamos os mais minuciosos detalhes; é um efeito de
visão ou de imaginação?
– O corpo, estando entorpecido, faz com que o Espírito procure libertar-
se de suas amarras. Ele se transporta e vê. Se o sono fosse completo,
seria um sonho.
410 Têm-se, algumas vezes durante o sono ou a sonolência, idéias
que parecem ser muito boas e, apesar dos esforços para se lembrar
delas, apagam-se da memória: de onde vêm essas idéias?
– São o resultado da liberdade do Espírito que se emancipa e desfruta
de maneira completa de todas as suas faculdades durante esse momento.
São freqüentemente também conselhos que outros Espíritos dão.
410 a Para que servem essas idéias e conselhos, já que se perdem
na lembrança e não se podem aproveitar?
– Essas idéias pertencem, algumas vezes, mais ao mundo dos Espíritos
do que ao corporal; mas, com mais freqüência, se o corpo esquece,
o Espírito lembra, e a idéia revive na ocasião oportuna como uma inspiração
de momento.
411 O Espírito encarnado, nos momentos em que está desligado
da matéria e age como Espírito, sabe a época de sua morte?
– Muitas vezes a pressente; pode, também, ter uma consciência muito
clara dela. É o que, acordado, lhe dá a intuição disso. Eis por que certas
pessoas, algumas vezes, prevêem sua morte com grande exatidão.
412 A atividade do Espírito durante o repouso ou o sono do corpo
pode fazer com que o corpo sinta cansaço?
– Sim, pode. O Espírito está preso ao corpo, assim como um balão
cativo a um poste. Da mesma forma que as agitações do balão abalam o
poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo e pode fazer com que
se sinta cansado.
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1 - Outra espécie de sonhos: ele se referia à mediunidade (N. E.).
2 - Joana D’Arc: heroína francesa. Comandou os exércitos da França à vitória sobre os ingleses,
orientada por seus sonhos e suas visões (N. E.).
3 - Jacó: patriarca hebreu do Antigo Testamento que viu em sonho uma escada que levava da
Terra ao céu (N. E.).

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