segunda-feira, 11 de julho de 2011

ENSAIO TEÓRICO SOBRE A SENSAÇÃO NOS ESPÍRITOS


257 O corpo é o instrumento da dor. Se não é sua causa primária, é,
pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção da dor: essa percepção
é o efeito. A lembrança que a alma conserva disso pode ser de muito
sofrimento, mas não pode provocar ação física. De fato, nem o frio, nem o
calor podem desorganizar os tecidos da alma. Ela não pode congelar-se,
nem queimar-se. Não vemos todos os dias a lembrança ou a preocupação
com um mal físico produzir os efeitos desse mal, até mesmo ocasionar a
morte? Todo mundo sabe que as pessoas que tiveram membros amputados
sentem dor no membro que não existe mais. Certamente, não é nesse membro
que está a sede ou o ponto de partida da dor, mas no cérebro, que
conservou a impressão da dor. Podem-se admitir, portanto, reações semelhantes
nos sofrimentos do Espírito após a morte. Um estudo mais aprofundado
do perispírito, que desempenha um papel tão importante em todos os
fenômenos espíritas como nas aparições vaporosas ou tangíveis, como na
circunstância por que o Espírito passa no momento da morte; na idéia tão
freqüente de que ainda está vivo, no quadro tão comovente dos suicidas e
dos que foram martirizados, nos que se deixaram absorver pelos prazeres
materiais e em tantos outros fatos, vieram lançar luz sobre a questão e deram
lugar a explicações que resumimos a seguir.
O perispírito é o laço que une o Espírito à matéria do corpo. O Espírito
é quem o forma, tirando elementos do meio ambiente e do fluido universal.
Ele é formado ao mesmo tempo de eletricidade, fluido magnético e até de
alguma quantidade de matéria inerte. Pode-se dizer que é a matéria puríssima,
o princípio da vida orgânica, mas não da vida intelectual. A vida
intelectual está no Espírito. É, além disso, o agente das sensações exteriores.
No corpo, essas sensações se localizam nos órgãos próprios que
servem de canais condutores. Destruído o corpo, as sensações se tornam
generalizadas. É por isso que o Espírito não diz sofrer mais da cabeça
do que dos pés. É preciso precaução para não confundir as sensações
do perispírito, que se tornou independente, com as do corpo: podemos
tomar essas sensações apenas como comparação, e não como analogia.
Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer. Mas esse sofrimento não é corporal,
embora não seja exclusivamente moral, como o remorso, porque se
queixa de frio e calor. Apesar disso, não sofre mais no inverno que no
verão: nós o temos visto atravessar as chamas sem sofrer nada, nenhuma
dor, o fogo não lhe causa nenhuma impressão. A dor que sente não é
física propriamente dita, é um vago sentimento íntimo que o próprio Espírito
nem sempre entende, precisamente porque a dor não está localizada e
não é produzida por agentes externos: é mais uma lembrança do que uma
realidade, mas é uma recordação também dolorosa. Há, entretanto, algumas
vezes, mais que uma lembrança, como iremos ver.
A experiência nos ensina que no momento da morte o perispírito se
desprende mais ou menos lentamente do corpo. Nos primeiros instantes
seguidos ao desencarne, o Espírito não entende a sua situação: não acredita
estar morto, sente-se vivo, vê seu corpo de um lado, sabe que é seu
e não entende por que está separado dele. Essa situação persiste enquanto
o laço entre o corpo e o perispírito não se romper por completo.
Um suicida nos disse: “Não, não estou morto”, e acrescentava:“E, entretanto,
sinto os vermes que me roem”. Porém, seguramente, os vermes
não roíam o seu perispírito, e muito menos o Espírito; roíam-lhe apenas o
corpo. Mas como a separação do corpo e do perispírito não estava concluída,
disso se originava uma espécie de repercussão moral que lhe
transmitia a sensação do que se passava no seu corpo. Repercussão não
é bem a palavra que dê a idéia exata do que ocorre, porque pode fazer
supor um efeito muito material. Era antes e de fato a visão do que se
passava no cadáver, que ainda estava ligado ao seu perispírito, produzindo
nele essa sensação que tomava como real, como autêntica. Desse
modo, não era uma lembrança, uma vez que durante sua vida nunca tinha
sido roído por vermes; era uma sensação nova e atual. Vemos, assim, que
deduções se podem tirar dos fatos, quando observados atentamente.
Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite
ao Espírito por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o
que se chama de fluido nervoso. Estando o corpo morto, não sente mais
nada, porque não possui mais Espírito, nem perispírito. O perispírito, desprendido
do corpo, experimenta a sensação, mas como ela não lhe chega
mais por um canal limitado, próprio, torna-se geral. Portanto, como o perispírito
é na realidade um agente de transmissão das sensações que se
produzem do corpo para o Espírito, porque é no Espírito que está a consciência,
disso se deduz que, se pudesse existir perispírito sem Espírito, ele
não sentiria mais do que sente um corpo morto. Da mesma forma, se o
Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a qualquer sensação dolorosa,
como ocorre com os Espíritos completamente purificados. Sabemos
que, quanto mais o Espírito se purifica, mais a essência do perispírito se
torna etérea, do que se conclui que a influência material diminui à medida
que o Espírito progride e, por conseqüência, o próprio perispírito torna-se
menos grosseiro.
Mas, dirão, as sensações agradáveis são transmitidas ao Espírito por
meio do perispírito, da mesma forma que as sensações desagradáveis;
sendo o Espírito puro inacessível a umas, deve ser igualmente inacessível
a outras. Sim, sem dúvida, assim é de fato para as sensações que provêm
unicamente da influência da matéria que conhecemos, por exemplo: o
som de nossos instrumentos e o perfume de nossas flores não lhes causam
nenhuma impressão. Porém, o Espírito têm sensações íntimas de um
encanto indefinível, das quais não podemos fazer nenhuma idéia, por sermos,
a esse respeito, como cegos de nascença perante a luz: sabemos
que elas existem, mas por que meio se produzem não o sabemos. Termina
aí nossa ciência. Sabemos que o Espírito têm percepção, sensação,
audição, visão; que essas faculdades são generalizadas por todo o ser, e
não, como no homem, só em uma parte do seu ser. Mas de que modo ele
as tem? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não podem nos dar
idéia precisa, porque a nossa linguagem não pode exprimir idéias que não
conhecemos, da mesma forma que para os selvagens não há termos para
exprimir nossas artes, ciências e doutrinas filosóficas.
Ao dizer que os Espíritos são inacessíveis às impressões de nossa
matéria, estamos nos referindo aos Espíritos muito elevados, cujo envoltório
etéreo não tem nada de semelhante ao que conhecemos aqui na Terra.
O mesmo não ocorre com os de perispírito mais denso: estes percebem
nossos sons e odores, mas não por uma parte limitada de sua individualidade,
como quando encarnados. Pode-se dizer que neles as vibrações
moleculares se fazem sentir em todo seu ser e chegam assim ao seu
sensorium commune (2), que é o próprio Espírito, embora de um modo diferente,
o que produz uma modificação na percepção. Eles ouvem o som de
nossa voz e, no entanto, nos compreendem sem necessidade da palavra,
apenas pela transmissão do pensamento; isso vem em apoio ao que
dissemos: a percepção dessas vibrações é tão mais fácil quanto mais
desmaterializado está o Espírito. Quanto à visão, é independente de nossa
luz. O dom da visão é um atributo essencial da alma, para ela não há
obscuridade; mas é mais ampla e penetrante para os que estão mais purificados.
A alma ou o Espírito tem nela mesma todos os dons e recursos
de todas as percepções. Na vida corporal são limitados pela grosseria dos
órgãos físicos; na vida extracorporal são cada vez menos limitados, à medida
que menos denso se torna o envoltório semimaterial.
Esse envoltório, o perispírito, tirado do meio ambiente, varia de acordo
com a natureza dos mundos. Ao passar de um mundo para outro, os
Espíritos mudam de envoltório, assim como mudamos de roupa quando
passamos do inverno para o verão, ou de um pólo para o Equador. Os
Espíritos mais elevados, quando vêm nos visitar, se revestem do perispírito
terrestre e, assim, suas percepções são como as dos Espíritos do lugar
onde estão. Porém, todos, tanto inferiores quanto superiores, apenas ouvem
e sentem o que querem ouvir ou sentir. Tendo em vista que não possuem
os órgãos sensitivos, podem tornar, à vontade, suas percepções
ativas ou nulas; há apenas uma situação a que são obrigados: a de ouvir
os conselhos dos bons Espíritos. A visão é sempre ativa, mas podem
reciprocamente se tornar invisíveis uns aos outros. De acordo com a posição
que ocupam, podem se ocultar dos que lhes são inferiores, mas não
dos superiores. Nos primeiros momentos que se seguem ao desencarne,
a visão do Espírito é sempre perturbada e confusa; porém, vai se aclarando
à medida que se liberta do corpo físico e pode adquirir nitidez igual à
que tinha durante a vida terrena, além de contar com a possibilidade de
poder ver através dos corpos que são opacos para nós. Quanto a poder
alcançar a visão do espaço infinito, do futuro e do passado, depende do
grau de pureza e da elevação do Espírito.
Toda essa teoria, alegarão alguns, não é nada tranqüilizadora. Pensávamos
que uma vez livres do corpo, instrumento de nossas dores, não
sofreríamos mais. Agora nos dizeis que ainda sofreremos, desta ou daquela
forma, mas que será sempre sofrimento. Ah, sim! Podemos ainda
sofrer, e muito, por um longo tempo, mas podemos também parar de sofrer,
já desde o instante em que deixarmos a vida corporal.
Os sofrimentos aqui da Terra, algumas vezes, independem de nós,
mas muitos são as conseqüências da nossa vontade, e se buscarmos as
origens constataremos que, em sua maior parte, resultam de causas que
poderíamos evitar. Quantos males, quantas enfermidades o homem não
deve aos seus excessos, à sua ambição, às suas paixões? O homem que
sempre tivesse vivido sobriamente, que não tivesse cometido abusos, que
sempre tivesse sido simples em seus gostos, modesto em seus desejos,
se pouparia de muitos sofrimentos. O mesmo acontece com o Espírito: as
angústias que enfrenta são a conseqüência da maneira como viveu na
Terra. Sem dúvida, não terá mais artrite nem reumatismo, mas terá outros
sofrimentos que não são menores. Temos visto que os sofrimentos que
sente são causados pelos laços que ainda existem entre ele e a matéria e,
quanto mais se desmaterializa, menos tem sensações dolorosas. Portanto,
depende do homem querer libertar-se dessa influência já em vida; tem
seu livre-arbítrio e, conseqüentemente, a escolha entre fazer e não fazer.
Que ele dome suas paixões brutais, não tenha ódio, inveja, ciúme, nem
orgulho; que purifique sua alma pelos bons sentimentos; que faça o bem;
que dê às coisas deste mundo a importância que merecem; então, ainda
no corpo físico, já estará purificado, desprendido da matéria, e quando o
deixar não sofrerá mais sua influência. Os sofrimentos físicos que experimentou
não deixarão nenhuma lembrança dolorosa; não restará nenhuma
impressão desagradável, porque afetou apenas o corpo e não o Espírito.
Ficará feliz por estar livre delas, e a calma de sua consciência o livrará de
todo sofrimento moral.
Interrogamos milhares de Espíritos que haviam pertencido a todas as
classes da sociedade e a todas as posições sociais, quando na Terra.
Nós os estudamos em todos os períodos de sua vida espírita, desde o
instante em que deixaram o corpo; nós os seguimos passo a passo na
vida após a morte para observar as mudanças que se operavam neles,
nas idéias, nas sensações. E sob esse aspecto, os homens mais simples
foram os que nos forneceram materiais de estudo mais preciosos, porque
notamos sempre que os sofrimentos estão relacionados à conduta que
tiveram na vida corpórea da qual sofrem as conseqüências, e que essa
nova existência é fonte de uma felicidade indescritível para aqueles que
seguiram o bom caminho. Deduz-se que sofrem porque merecem e só
podem queixar-se de si mesmos, tanto neste quanto no outro mundo.
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2 - Sensorium commune: expressão latina usada em medicina e em anatomia, que significa
sede da sensação, da sensibilidade (N. E.).

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