quinta-feira, 16 de junho de 2011

MATERIALISMO


147 Por que os anatomistas (2), os fisiologistas (3) e em geral os que
se aprofundam nas ciências naturais são, muitas vezes, levados ao
materialismo?
– O fisiologista vê tudo à sua maneira. Orgulho dos homens, que acreditam
saber tudo e não admitem que alguma coisa possa ultrapassar seu
conhecimento. Sua própria ciência lhes dá presunção. Pensam que a natureza
não pode lhes ocultar nada.
148 Não é de lamentar que o materialismo seja uma conseqüência
de estudos que deveriam, ao contrário, mostrar ao homem a superioridade
da inteligência que governa o mundo? Por isso, pode-se
concluir que são perigosos?
– Não é exato dizer que o materialismo seja uma conseqüência desses
estudos. É o homem que tira deles uma falsa conseqüência, porque
tem a liberdade de abusar de tudo, mesmo das melhores coisas. O nada,
aliás, os amedronta mais do que eles demonstram, e os Espíritos fortes
são, muitas vezes, mais fanfarrões do que bravos. A maioria dos materialistas
só o são porque não têm nada para encher o vazio do abismo que se
abre diante deles. Mostre-lhes uma âncora de salvação e se agarrarão a
ela apressadamente.
* Por uma aberração (4) da inteligência, há pessoas que vêem nos seres
orgânicos apenas a ação da matéria e a esta atribuem todos os nossos
atos. Vêem no corpo humano apenas a máquina elétrica; estudaram o
mecanismo da vida apenas pelo funcionamento dos órgãos que muitas
vezes viram se extinguir pela ruptura de um fio, e não viram nada mais que
esse fio.
Procuraram ver se restava alguma coisa e, como encontraram apenas
a matéria, que se tornara inerte, e não viram a alma escapar nem a
puderam apanhar, concluíram que tudo estava nas propriedades da
matéria e que, depois da morte, o pensamento se aniquilava. Triste conseqüência
se fosse assim, porque então o bem e o mal não teriam significação
alguma; o homem seria levado apenas a pensar em si mesmo
e a colocar acima de tudo a satisfação de seus prazeres materiais, os
laços sociais seriam rompidos e as afeições mais santas destruídas para
todo o sempre. Felizmente, essas idéias estão longe de ser gerais, pode-se
até mesmo dizer que são muito limitadas e constituíram apenas opiniões
individuais, porque em nenhuma parte constituíram doutrina. Uma
sociedade fundada sobre essas bases teria em si o germe de sua dissolução,
e seus membros se entredevorariam como animais ferozes (5).
O homem tem o pensamento instintivo de que nem tudo se acaba
quando cessa a vida. Tem horror ao nada. Ainda que teime e resista
inutilmente contra a idéia da vida futura, quando chega o momento supremo
são poucos os que não se perguntam o que vai ser deles; a idéia
de deixar a vida e não mais retornar é dolorosa. Quem poderia, de fato,
encarar com indiferença uma separação absoluta, eterna, de tudo o que
amou? Quem poderia, sem medo, ver abrir-se diante de si o imenso
abismo do nada onde se dissiparão para sempre todas as nossas capacidades,
todas as nossas esperanças, e dizer a si mesmo: “Qual o quê!
Depois de mim, nada, nada mais além do vazio; tudo acabou; daqui a
alguns dias minhas lembranças serão apagadas da memória dos que
me sobreviverem; daqui a pouco não restará nenhum traço de minha
passagem pela Terra; o próprio bem que fiz será esquecido pelos ingratos
a quem servi; e nada pode compensar tudo isso, nenhuma outra
perspectiva além do meu corpo roído pelos vermes!”
Esse quadro não tem alguma coisa de apavorante, glacial? A religião
nos ensina que não pode ser assim, e a razão o confirma. Mas essa
existência futura, vaga e indefinida não nos dá nenhuma esperança, sendo
para muitos a origem da dúvida. Temos uma alma, sim, mas o que é
nossa alma? Ela tem uma forma, uma aparência qualquer? É um ser
limitado ou indefinido? Uns dizem que é um sopro de Deus; outros, uma
centelha; outros, uma parte do grande Todo, o princípio da vida e da
inteligência, mas o que tudo isso nos oferece? O que nos importa ter
uma alma se depois da morte ela se confunde na imensidade como as
gotas d’água no oceano? A perda de nossa individualidade não é para
nós o mesmo que o nada? Diz-se, ainda, que é imaterial; mas uma coisa
imaterial não poderá ter proporções definidas e para nós equivale ao
nada. A religião ainda nos ensina que seremos felizes ou infelizes, conforme
o bem ou o mal que tivermos feito. Mas em que consiste essa
felicidade que nos espera no seio de Deus? É uma beatitude, uma contemplação
eterna, sem outra ocupação a não ser a de cantar louvores
ao Criador? As chamas do inferno são uma realidade ou um símbolo? A
própria Igreja as entende nesta última significação, mas quais são aqueles
sofrimentos? Onde está esse lugar de suplício? Numa palavra, o que se
faz, o que se vê, nesse mundo que nos espera a todos? Diz-se que
ninguém voltou de lá para nos prestar contas.
É um erro dizer isso. A missão do Espiritismo é precisamente a de
nos esclarecer sobre esse futuro, de nos fazer, até certo ponto, tocá-lo
e vê-lo, não mais só pelo raciocínio, mas apresentando fatos. Graças às
comunicações espíritas, isso não é uma presunção, uma probabilidade
que cada um entende à sua maneira, que os poetas embelezam com
suas ficções ou pintam de imagens alegóricas que nos enganam. É a
realidade que nos aparece, pois são os próprios Espíritos que vêm nos
descrever sua situação, nos dizer o que foram, o que nos permite assistir,
por assim dizer, a todas as peripécias de sua nova vida e, por esse
meio, nos mostram a sorte inevitável que nos está reservada, de acordo
com nossos méritos e deméritos. Há nisso algo de anti-religioso? Bem
ao contrário, uma vez que os incrédulos aí encontram a fé e os indecisos
a renovação de fervor e de confiança. O Espiritismo é o mais poderoso
auxiliar da religião. E se é assim, é porque Deus o permite e o permite
para reanimar nossas esperanças vacilantes e nos reconduzir ao caminho
do bem mediante a perspectiva do futuro.


2 - Anatomista: profissional que estuda a forma e a estrutura dos órgãos do corpo humano
(N. E.).
3 - Fisiologista: profissional que estuda o funcionamento das atividades vitais do corpo humano:
crescimento, respiração, pensamento, etc. (N. E.).
4 - Aberração: desvio, distorção, desatino (N. E.).
5 - Como animais ferozes: embora Kardec tenha escrito isso há quase 150 anos, os sistemas
políticos que se basearam na doutrina materialista se autodissolveram por si, não tiveram continuidade
(N. E.).

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