Resta-nos examinar duas objeções; as únicas que merecem ver-
dadeiramente esse nome, porque são baseadas em teorias racionais.
Ambas admitem a realidade de todos os fenômenos materiais e mo-
rais, mas excluem a intervenção dos Espíritos.
A primeira dessas teorias diz que todas as manifestações atribuí-
das aos Espíritos não seriam outra coisa senão efeitos magnéticos.
Os médiuns entrariam num estado que se poderia chamar de sonam-
bulismo acordado, fenômeno do qual toda pessoa que estudou o mag-
netismo pôde verificar e testemunhar. Nesse estado, as capacidades
intelectuais adquirem um desenvolvimento anormal; o círculo das per-
cepções intuitivas se estende além dos limites de nossa concepção
normal. Dessa maneira, o médium tiraria de si mesmo e por efeito de
sua lucidez tudo o que diz e todas as noções que transmite, mesmo
sobre assuntos que lhe são completamente desconhecidos quando
se acha no seu estado normal.
Não seremos nós que contestaremos a força do sonambulismo, do
qual vimos os extraordinários fenômenos e os estudamos em todas as
fases durante mais de 35 anos. Concordamos, de fato, que muitas mani-
festações espíritas podem se explicar por ele, mas uma observação
paciente e atenta mostra uma multidão de fatos em que a intervenção do
médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente impossível.
Àqueles que partilham dessa opinião diremos como aos outros: vede e
observai, pois seguramente não vistes tudo. Em seguida propomos duas
considerações tiradas de sua própria doutrina. De onde veio a teoria
espírita? É um sistema imaginado por alguns homens para explicar os
fatos? De modo algum. Quem a revelou? Precisamente esses mesmos
médiuns dos quais exaltais a lucidez. Se, portanto, essa lucidez é exata-
mente como a supondes, por que teriam eles atribuído aos Espíritos o
que possuíam em si mesmos? Como dariam esses ensinamentos tão
precisos, lógicos e sublimes sobre a natureza dessas inteligências extra-
humanas? De duas coisas, uma: ou são lúcidos ou não o são; se o são e
se se pode confiar em sua veracidade, não haveria como, sem contradi-
ção, admitir que não estão com a verdade. Em segundo lugar, se todos
os fenômenos tivessem origem no médium, seriam idênticos no mesmo
indivíduo e não se veria a mesma pessoa manifestar-se em linguagens
diferentes e exprimir alternativamente as mais polêmicas idéias. Essa
falta de unidade nas manifestações obtidas por um mesmo médium prova
a diversidade das fontes; se, portanto, não se pode encontrá-las todas no
médium, é preciso procurá-las fora dele.
Uma outra opinião diz que o médium é a fonte das manifestações,
mas, em vez de as tirar de si mesmo, assim como o pretendem os par-
tidários da teoria sonambúlica, as tira do meio ambiente. Assim sendo, o
médium seria uma espécie de espelho refletindo todas as idéias, pensa-
mentos e conhecimentos das pessoas que o rodeiam; não diria nada que
já não fosse conhecido pelo menos por alguns. Não se poderia negar, e
isso é mesmo um princípio da Doutrina, a influência exercida pelos assis-
tentes sobre a natureza das manifestações. Porém, essa influência é
diferente da que os opositores supõem existir, e daí a ser o médium o eco
dos pensamentos daqueles que o rodeiam há uma grande distância, vis-
to que milhares de fatos demonstram indiscutivelmente o contrário. Por-
tanto, há nisso um erro grave que atesta, uma vez mais, o perigo das
conclusões prematuras. Essas pessoas, não podendo negar a existência
de um fenômeno que a ciência comum não pode explicar e não queren-
do admitir a presença dos Espíritos, o explicam a seu modo. Esta teoria,
embora enganosa, seria atraente se pudesse abraçar todos os fatos,
mas não é assim. Quando se lhes demonstra com a clareza mais lógica
que algumas comunicações do médium são completamente estranhas
ao pensamento, aos conhecimentos, às próprias opiniões de todos os
assistentes, que essas comunicações são, muitas vezes, espontâneas e
contradizem todas as idéias preconcebidas, eles não recuam e nem se
dão por convencidos. A irradiação, dizem, estende-se muito além do cír-
culo imediato que nos rodeia; o médium é o reflexo de toda a humanida-
de, de forma que, se não tira suas inspirações das coisas que estão ao
seu redor, vai procurá-las fora, na cidade, no país, em todo o globo e
mesmo em outras esferas.
Não creio que se encontre nessa teoria uma explicação mais sim-
ples e mais provável que a do Espiritismo, embora revele uma causa
bem mais maravilhosa. Porém, a idéia de que seres inteligentes po-
voam os espaços e que, estando em contato permanente conosco,
nos comunicam seus pensamentos, nada tem que choque mais a razão
do que se supor que essa irradiação universal vinda de todos os pontos
do universo possa concentrar-se no cérebro de um indivíduo.
Ainda uma vez, e esse é um ponto importante sobre o qual nunca
é demais insistir: tanto a teoria sonambúlica quanto a que se poderia
chamar refletiva foram imaginadas por alguns homens; são opiniões
individuais criadas para explicar um fato, enquanto a Doutrina dos
Espíritos não é de concepção humana. Foi ditada pelas próprias inte-
ligências que se manifestaram quando ninguém sequer a concebia e
que a própria opinião geral a repelia. Portanto, perguntamos: de onde
os médiuns foram tirar uma doutrina que não existia no pensamento de
ninguém na Terra? E perguntamos mais: por que estranha coincidência
milhares de médiuns espalhados por todos os pontos do globo, que
nunca se viram, combinaram dizer a mesma coisa? Se o primeiro
médium que apareceu na França revelou a influência das mesmas opi-
niões já aceitas nos Estados Unidos, por que razão teria ido procurar
essas idéias a 2000 léguas além dos mares, entre um povo de costu-
mes e linguagem estranhos, em vez de procurá-las ao seu redor?
Mas há uma outra particularidade sobre a qual não se tem pensado
o suficiente. É que as primeiras manifestações, tanto na França quanto
nos Estados Unidos, não ocorreram pela escrita, nem pela fala, mas por
pancadas que concordavam com as letras do alfabeto formando pala-
vras e frases. Foi por esse meio que as inteligências que se revelavam
declararam ser Espíritos. Se pudermos, portanto, supor que haja a inter-
venção do pensamento dos médiuns nas comunicações verbais ou
escritas, o mesmo não pode ter ocorrido com as pancadas, cuja signifi-
cação não poderia ser conhecida com antecedência.
Poderíamos citar muitos outros fatos que demonstram, na inteligên-
cia que se manifesta, uma individualidade evidente e uma independência
absoluta de vontade. Remetemos, entretanto, os discordantes a uma ob-
servação mais atenta, e se querem estudar sem prevenção e não con-
cluir antes de terem visto tudo, reconhecerão a fragilidade de sua teoria
para explicar os fatos. Nós nos limitaremos a colocar as questões seguin-
tes: por que a inteligência que se manifesta, seja ela qual for, recusa-se a
responder a algumas questões sobre assuntos perfeitamente conheci-
dos, como, por exemplo, sobre o nome ou a idade do interrogador, sobre
o que tem na mão, o que fez na véspera e o que fará no dia seguinte, etc.?
Se o médium é de fato o espelho do pensamento dos assistentes, nada
haveria de ser mais fácil do que dar essas respostas.
Os adversários retrucam o argumento ao perguntar, por sua vez,
por que os Espíritos, que devem saber tudo, não podem responder a
coisas tão simples, de acordo com o axioma (26) Quem pode o mais
pode o menos, concluindo, daí, que não são respostas dos Espíritos.
Se um ignorante ou um zombador se apresentasse diante de uma
assembléia de sábios e perguntasse, por exemplo, por que faz dia em
pleno meio-dia, acredita-se que alguém se desse ao trabalho de res-
ponder seriamente? Seria razoável por isso concluir, pelo silêncio ou
desdém que se desse ao interrogador, que os componentes dessa
assembléia são tolos? Portanto, é precisamente porque os Espíritos
são superiores que não respondem às questões inúteis e ridículas e
não querem se pôr em evidência, é por isso que se calam ou dizem se
ocupar com coisas mais sérias.
Perguntaremos, por fim, por que os Espíritos vêm e vão freqüen-
temente num dado momento, e por que, passado esse momento, não
há preces nem súplicas que os possam trazer de volta? Se o médium
somente agisse como um reflexo do impulso mental dos assistentes,
é evidente que, nessa circunstância, o concurso de todas as vontades
reunidas deveria estimular sua clarividência. Se não cede ao desejo
da assembléia, fortalecido também por sua própria vontade, é porque
obedece a uma influência estranha a ele mesmo e aos que estão à
sua volta, e que essa influência demonstra, por esse fato, sua inde-
pendência e sua individualidade.
26 - Axioma: princípio evidente que é aceito como universalmente verdadeiro, sem exigência de
demonstração (N. E.).
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